A crise que devastou a economia da Venezuela nos últimos cinco anos põe em xeque a diplomacia regional. Os líderes sul-americanos fracassaram nas tentativas de enquadrar o presidente Nicolás Maduro e assistem, impotentes, a consequências desastrosas, como o êxodo de até 2,3 milhões de venezuelanos, segundo estimativa da ONU, que fugiram principalmente para os países vizinhos em busca da sobrevivência.
Especialistas e diplomatas brasileiros ouvidos pelo jornal O Globo avaliam que só há dois caminhos diante de um cenário que fugiu do controle: uma solução caseira que parta do próprio Maduro, reduzindo seu radicalismo ou convocando novas eleições; ou via países que não fazem parte da região, incluindo EUA, Rússia, China e Cuba. “Os atores regionais não têm mais capacidade de lidar com o problema. A situação está se agravando, sem a perspectiva de mudar a médio prazo. Isso gera maior envolvimento de atores extrarregionais”, afirma Oliver Stuenkel, da FGV de São Paulo. Para ele, os líderes da América do Sul foram reduzidos a espectadores, embora tenham sido fortemente afetados pela crise migratória.
A situação chegou a tal ponto que os sul-americanos convocaram duas reuniões em setembro, praticamente na mesma data e com caráter de urgência. Em Quito, no Equador, funcionários dos 12 países se reúnem nos dias 17 e 18 de setembro para discutir o que fazer com os imigrantes venezuelanos. Em Montevidéu, no Uruguai, nos dias 16 e 17, representantes dos mesmos países – à exceção da Colômbia, que saiu do organismo, e da Venezuela – terão um encontro para discutir a reativação da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), criada em 2008 e paralisada desde 2017 por divergências internas.
Rússia, Cuba e China mantêm boas relações com Caracas e, por isso, teriam alguma influência sobre Maduro. Já os EUA, que impuseram sanções à Venezuela e costumam falar grosso quando citam o país, têm ficado aquém do esperado. De acordo com um alto funcionário do governo brasileiro, os americanos poderiam ter uma atuação mais forte na Organização dos Estados Americanos (OEA), pressionando os países caribenhos, que por muito tempo foram beneficiados por petróleo venezuelano subsidiado, a retirar o apoio a Caracas. Com apoio de boa parte do Caribe, o país tem escapado de punições decorrentes do rompimento da cláusula democrática da OEA.
Outra fonte, da área diplomática, disse que o fato de a Venezuela ter apenas petróleo e, portanto, não exportar outros produtos para a região, impede que os vizinhos pressionem Caracas pelo lado comercial. O Brasil também sabe que não pode perder totalmente o canal de interlocução, por causa dos imigrantes.
Enquanto isso, a Argentina adota uma linha mais dura, e anunciou que pedirá ao Tribunal Penal Internacional que investigue se autoridades da Venezuela cometeram crimes contra a humanidade. Diz contar com o apoio de Chile, Paraguai e Colômbia. A bolivariana Bolívia e o ex-bolivariano Equador tentam, junto com o Brasil, salvar a Unasul para, em seguida, convocar o Conselho de Defesa do organismo e discutir a questão da Venezuela.
Para Antonio Madeira, que acompanha a economia internacional na MCM Consultores, a ponte entre os vizinhos e a Venezuela caiu: “A situação fugiu ao controle, devido ao radicalismo de Maduro. A solução terá de surgir da própria Venezuela”, diz o economista, que é cético em relação ao pacote econômico que entrou em vigor na semana passada no país. “Enquanto os grupos que se beneficiam dessa situação, como os militares, continuarem sendo contemplados, a situação permanecerá como está.”
Para Antonio Jorge Ramalho, professor de relações internacionais da UnB, o problema da Venezuela “só se resolve internamente”. Ele acredita que a Unasul “teria que chamar a Venezuela para conversar e promover um fórum de concertação política”.
Juan Tokatlián, professor de relações internacionais da Universidade Torcuato Di Tella, de Buenos Aires, diz que o melhor caminho para lidar com a crise venezuelana é buscar acordos bilaterais, em paralelo a uma articulação regional capaz de enfrentar a explosão migratória, inédita no continente. Para ele, as limitações para resolver esse tipo de conflito com mediação externa são evidentes:
“A mesma situação vimos no Iraque, na Síria, no Sudão. No caso venezuelano, o êxodo ocorre em momentos de fragilidade econômica em quase toda a região e com vários países às voltas com instabilidades políticas.” Na opinião de Tokatlián, soluções humanitárias poderiam impulsionar ainda mais a emigração dos venezuelanos: “Se outros países começaram a oferecer o que falta na Venezuela, a saída poderia ser ainda mais expressiva”, apontou.
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